Andréa Kochhann e Nay Brunio Borges estão publicando um livro com seus estudantes sobre a atuação pedagógica não escolar, com acento na pesquisa. É uma honra fazer um prefácio, porque compartilho muito a visão delas do valor da pesquisa como plataforma da formação do estudante e como instrumento para fazer ciência.
Não sou dono do tema, embora muitas vezes seja citado por conta da ideia de “educar pela pesquisa”, porque desde sempre – digamos, desde Sócrates pelo menos – houve gente que percebesse ser aprendizagem uma dinâmica de dentro para fora, tipicamente autoral. Aprender é como elaboramos nossa capacidade de sermos autores de nossas vidas. Nunca somos autores acabados, pois não há humanos acabados, mas podemos evoluir muito em nossa autonomia, no contexto de uma sociedade igualitária, feita de gente tão igual quanto diversa. Pesquisa, de modo geral, combina dois horizontes distintos e entrelaçados: aprender; fazer ciência. Pesquisa como aprendizagem traduz a perspectiva de que, para aprender, é imprescindível que nossos sentidos e cérebro reconstruam a realidade que nos cerca para podermos, nela, ser sujeitos, não apenas objetos de adaptação de fora. Pesquisa supõe a iniciativa e protagonismo do estudante, que pode ter em propostas externas (mormente aulas) apoios pertinentes, mas são supletivos. Como aprendizagem não pode ser causada de fora, pois é essencialmente um processo de autoformação, a participação do aluno é crucial – a referência central sempre é o estudante.
Professores e outros apoios externos podem ser pertinentes, mas não substituem a autoria do estudante. O valor pedagógico da pesquisa está em envolver o estudante como sujeito crucial do processo, tornando-o referência insubstituível. É por isso que atividades de aprendizagem são fundamentais para aprender, não atividades de ensino que são supletivas. Aprendizagem é profundamente uma elaboração: um processo de reconstrução, ruminação, reinvenção, de sorte que no processo e resultado nos flagremos autores cruciais da empreitada. Pesquisa como ciência indica o caminho mais reconhecido de fazer ciência com devido embasamento teórico e metodológico, uma das autorias mais estratégicas da espécie. Junto com tecnologia, ciência tem impactado a existência humana, transformando-a evolucionariamente. Enquanto temos também de nos adaptar de fora para dentro, uma das grandes marcas da vida é poder forjar, reconstruir, definir nossa participação na natureza, podendo sempre alargar a margem de participação, mesmo que seja sempre incompleta.
Neste horizonte aparece que pesquisa não é qualquer atividade, mas um tipo de atividade científica, tipicamente metodológica, em que buscamos entender e explicar realidades complexas via abordagens que elucidam procedimentos lógicos e experimentais. O discurso científico é lógico e é experimental, embora esta acepção, levada ao reducionismo, estreite a realidade a uma faixa linear sequencial, que prejudica ver a vida em sua complexidade. Em visão dialética – capaz de ir além do lógico-experimental – abrange dinâmicas controversas, ambíguas, contraditórias, entrelaçadas, incompletas, políticas, intersubjetivas que vivenciamos concretamente. Como a vida não é solucionável, as vivências também traduzem suas limitações e a condição da espécie de, podendo ser autora de seu destino, nunca é plenamente.
Pedagogia precisa dos dois lados da pesquisa. Precisa oferecer chances formativas, nas quais possamos desenvolver nossas potencialidades até onde possível, tornando a aprendizagem uma elaboração sem fim que nos torna, no processo, a referência maior das oportunidades, precisamente porque nessa dinâmica nos tornamos nossa própria oportunidade. Precisa fazer-se ciência para poder participar ativamente do mundo científico crítico autocrítico, sem perder-se no positivismo eurocêntrico, ou no “império cognitivo” euramericano, desdenhando dos outros saberes que são importantes igualmente.
A vida é tão complexa que precisamos de todos os saberes. O científico é o mais valorizado, porque, em dobradinha com tecnologia, tem mudado a vida no planeta drasticamente, não, porém, honestamente, porque ciência nunca foi para todos. Sempre foi um projeto elitista. Quando se aborda pedagogia não escolar pode-se abrir espaço para outras expressões do conhecimento humano, para além dos muros escolares. Não há necessidade para desvalorizar o conhecimento científico, como não há para desdenhar das outras dimensões do conhecimento.
A própria pedagogia, uma das primeiras ciências da espécie (como educar filhos, os jovens, as novas gerações), sugere que conhecimento é importante desde sempre, sempre houve em todas as sociedades, sendo um colonialismo fora de lugar postular que ciência começou no Iluminismo europeu, sem nada antes (Idade Média como era das trevas, por exemplo), já que a espécie sempre cuidou de avançar em suas condições de vida. Foi comum no mundo indígena catalogar ervas para distinguir entre as venenosas e as benéficas, assim como as mulheres sempre desenvolvem conhecimentos úteis em torno da maternidade.
A luta de Andréa e Nay é muito meritória. Enquanto ainda persistem entre nós graduações sem pesquisa, porque nos bastamos em receber passivamente informação via aula, em muitos países há muito a formação acadêmica implica pesquisa em todos os sentidos, em todos os rigores, em todas as modalidades, porque se entende que não há formação, nem ciência, sem pesquisa. É um percalço enorme produzir um graduado que não sabe pesquisar, não lida com ciência, não é autor. Fiamo-nos no currículo, como se, repassando-o, garantimos o conhecimento lá guardado. Conhecimento repassado não é mais que informação. Para
transformar informação em conhecimento precisamos pesquisar.
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